A quebra de sigilo bancário de 25 investigados por suposto envolvimento nas fraudes em contratos da saúde que desviaram ao menos R$ 27,5 milhões de três prefeituras durante a pandemia de Covid-19 revelou que somente um servidor público do município de Betim teria embolsado cerca de R$ 3 milhões no esquema criminoso. É o que aponta o relatório da operação Entre Amigos II, da Polícia Federal.
O homem foi indiciado no fim de novembro, em inquérito que apura fraude contra a Prefeitura de Betim, pelos crimes de organização criminosa, contratação direta ilegal e frustração do caráter competitivo de licitação e corrupção passiva. Na primeira fase da operação Entre Amigos, também foi levantada suspeita de sonegação fiscal, por suposta ocultação de R$ 590 mil em declaração apresentada à Receita Federal, em 2019.
Segundo o delegado Felipe Baeta, responsável pelo caso, o servidor Paulo Henrique Silva Maia, ex-diretor de Planejamento da Saúde em Betim, é suspeito de atuar como “ponte” entre os municípios e os cabeças da quadrilha, supostamente chefiada pelos donos do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Social (IBDS), Braulio Henrique Dias Viana e Ercílio Martins da Costa Júnior.
Conforme a investigação, o funcionário público seria um dos principais responsáveis por articular a contratação do instituto, em processos fraudulentos sem licitação. “O Paulo era peça-chave no esquema de desvio de recursos das prefeituras. A investigação mostrou que ele atuava tanto na obtenção de contratos quanto na gestão de projetos que contavam com a prestação de serviços do IBDS”, diz o delegado.
O nome de Paulo apareceu associado à suposta organização criminosa pela primeira vez em 2020. Naquele ano, a PF deflagrou a primeira fase da operação Entre Amigos para apurar a suspeita de fraude em contratos firmados entre a Prefeitura de Divinópolis (Centro-Oeste) e o IBDS. A investigação apontou que Paulo agia como “porta-voz” do instituto. “Inclusive, era ele quem dava entrevistas à imprensa como representante do IBDS para apresentar resultados sobre a gestão dos equipamentos de saúde de Divinópolis”, cita o delegado.
Posteriormente, a PF descobriu que o IBDS teria superfaturado a compra de materiais para atendimento a pacientes com Covid-19 em Divinópolis e direcionado contratos a empresas cujos representantes tinham vínculo direto ou indireto com o próprio instituto, o que é ilegal.
Por meio da quebra de sigilo bancário da entidade, a PF concluiu que o ex-diretor de Planejamento de Saúde de Betim seria um dos beneficiados pelos contratos fraudulentos. “Descobrimos que ele era o proprietário de fato da empresa Case Consultoria, que recebeu R$ 1.992.146 do IBDS entre 2019 e 2020. Também constatamos a transferência de R$ 1.018.979 para o CPF dele, além da sonegação fiscal de R$ 593 mil”, diz Baeta.
Para a Polícia Federal, o dinheiro creditado nas contas de Paulo teria origem não só nas fraudes contra o município de Divinópolis, como também no rombo provocado por contratos fraudulentos firmados junto à Prefeitura de Betim, que não tem nenhum tipo de envolvimento com a fraude – na realidade, a Prefeitura de Betim foi vítima do esquema operado pelo IBDS.
Apenas em Betim, onde Paulo foi servidor, o prejuízo comprovado foi de R$ 23 milhões. Até o fechamento desta edição, a reportagem não havia localizado a defesa de Paulo. Também procurado, o IBDS não se manifestou.
As investigações que apuram o suposto esquema de fraudes contra prefeituras mineiras já se estendem por cerca de quatro anos e resultaram em 38 indiciamentos. Até agora, a operação, que se desdobrou em três fases, conseguiu comprovar rombos aos cofres de Betim (R$ 23 milhões), Divinópolis (R$ 3,5 milhões) e Ribeirão das Neves (R$ 1 milhão). Nas duas primeiras, o inquérito já foi concluído.
No entanto, a Polícia Federal encontrou indícios de que, desde 2018, a quadrilha tentou se infiltrar na administração pública de ao menos outras 18 cidades para aplicar o mesmo golpe.
Segundo o delegado Felipe Baeta, provas coletadas durante o inquérito demonstraram que os donos do IBDS contavam com auxílio de pessoas com experiência em gestão pública para atuar como lobistas em Brasília. A ideia era atrair recursos para prefeituras que estariam na mira da quadrilha entre 2018 e 2019.
“Eles tentaram direcionar verbas para essas prefeituras. São indivíduos que têm forte atuação política, mas atuam nos bastidores, de forma escusa, e mantêm contatos com políticos para indicar recursos e obter vantagem”, acusa.
O delegado explica que os suspeitos de assumir esse papel têm profundo conhecimento sobre a administração pública. A experiência permitiria trânsito fácil no meio político, o que favoreceria a atuação como lobista em favor do grupo criminoso. Em troca, a suspeita é que esses articuladores estariam entre os “amigos” favorecidos pelo grupo por meio de empresa de fachada contratadas para fornecer produtos superfaturados.