Voltando para casa no começo da noite, na última sexta-feira, me deparei com uma lua cheia e brilhante despontando no horizonte. Seria mais uma de tantas luas cheias da minha vida, e não foi. Pensei: “Ora, se estamos na sexta e no céu brilha uma lua cheia em plena Quaresma, o próximo domingo, como determina a regra, será de Páscoa”. Entretanto, não será no dia 13, mas no dia 20 de abril a Páscoa. Impossível o calendário estar errado e, assim, fiquei perdido; que erro estou cometendo?
Chegando em casa, numa rápida pesquisa encontrei a resposta. A regra estava respeitada, eu estava errado. Mas nesse momento de questionamento, e naqueles que se seguiram, muitos pensamentos correram soltos. Em primeiro lugar, descartei a possibilidade de recorrer a alguém para trocar ideias. Quem está preocupado em saber calcular o calendário e o movimento dos planetas numa vida corrida, cheia de demandas e distrações? O cálculo que determina a Páscoa foi algo que meu pai me ensinou quando criança. Tentei passar à frente esse ensinamento, mas em vão. Dos que questionei, e foram muitos, não encontrei um que desse valor a essa fórmula. Além de desconhecerem, não encontrei interesse em saber. Coisa inútil?
Meu pai pertencia a uma geração criada sem televisão, internet, computadores, pesticidas agrícolas, consumo de bens inúteis e danosos, que infestam o planeta. O ar estava limpo, e as noites de verão, inundadas de vaga-lumes, que meus netinhos, nesses dias de progresso mirabolante, nunca viram e dificilmente apreciarão. Sequer são citados nos livros escolares e fazem parte de alegrias superadas, extintas.Não existia naquela época tanta sofisticação, a vida era mais simples, não havia televisão na década de 1950, e ainda se estudava latim nas escolas. Ela acabou chegando em 1954, importada dos Estados Unidos, e se popularizou em 1955, ficando restrita às famílias mais abastadas por mais dez anos.
À noite, em volta da chaminé, eram lidas historinhas para os meninos, mas no verão, depois do parco jantar – em que era obrigatório deixar o prato limpo –, íamos ao jardim para aproveitar a brisa noturna no meio de uma inundação de vaga-lumes. Sobre nós, um céu que chamávamos de “firmamento”, já que era firme e inamovível há milhões de anos. Lá, acima de tudo brilhava, numa atmosfera pura e límpida, a Via Láctea, e milhões de pontinhos luminosos. Contávamos as estrelas cadentes apontando com o dedo.
Meu pai, que tinha aprendido com o pai dele, sabia distinguir naquele quebra-cabeça as constelações e, ainda, calculava com as mãos a distância entre astros. Naquela época o contato com o universo e os questionamentos eram comuns. Havia naturalmente um interesse astronômico, não existiam Netflix, YouTube e videogames. Esquecer uma fase lunar poderia estragar centenas de garrafas enchidas numa fase adversa, assistindo a explosões que nada mais eram do que rolhas atiradas para longe.
Era comum as pessoas saberem ler no céu aquilo que hoje poucos conhecem, até porque a luminosidade dos astros não é mais aquela dos tempos antigos. Ficou ofuscada pela poluição e pelo reflexo da luminosidade artificial nas partículas de carbono suspensas na atmosfera. Também não se costuma ficar reunido à noite debaixo de um manto de estrelas. A TV e outras distrações acabaram com essa prática.Meu pai me ensinou, até eu decorar e não esquecer mais, a fórmula correta da Páscoa e de outras particularidades astronômicas. Dia após dia, me estimulava a repetir. Passou a ser um mantra inesquecível.
Vivendo aqui, no Brasil, meus últimos 50 anos de existência (agradeço todos os dias a Deus por ter me dado essa felicidade), já dirigi a mesma pergunta a centenas de pessoas, sem ter a graça de uma resposta correta. O cálculo é simples. A Páscoa cai no primeiro domingo após a primeira lua cheia sucessiva ao equinócio de 21 de março. Esse dia mágico coincide com o começo da primavera no norte do planeta; aqui, no outono.
A Páscoa é uma recorrência feminina. É determinada pelo ciclo da lua, patrona das mulheres. Esse dia é comemorado há milhares de anos por todos os povos, muito anterior à crucificação e ressurreição de Jesus Cristo. A Páscoa será no dia 20 de abril por um motivo correto e sutil. O dia de lua cheia dura 24 horas e 48 minutos. O meio-dia lunar do dia de lua cheia ocorreu no sábado às 13h55, ou seja, no calendário lunar iniciou-se à 1h07 de sábado e terminou às 2h03 de domingo. Assim, o primeiro domingo após a lua cheia será dia 20 de abril. Às 19h de sexta, quando vi a lua, faltava uma imperceptível fração, de seis horas e sete minutos, para entrar no dia considerado de lua cheia.
Resolvido e compreendido o mistério, ficou claro que a percepção humana é relativa e quântica; dela é melhor desconfiar.