É preciso um esforço para entender que as principais armas estratégicas de política internacional dos Estados Unidos não estão nas mãos do presidente da República nem dos congressistas, apesar de a vitrine oficial vender essa imagem.
A lógica e os endereços das decisões partiram e partem quase sempre de um grupo de famílias poderosíssimas, “os donos do mundo”, que determinam as políticas monetárias, as intervenções bélicas, as ações para fortalecer ou enfraquecer adversários externamente ou internamente nos EUA.
O poder constituído, oficial, é submisso, por forças incontrastáveis, há séculos, a uma questão de arranjos e domínio dessas famílias.
Como donos do mundo há séculos e com origem na velha Europa, estão organizados como uma máquina invencível. Esse grupo, que possui tentáculos no planeta, domina os mercados e tem controle de 99% das 500 maiores empresas mundiais, por meio de participações acionárias.
Não fazem propaganda, não esbanjam riquezas, possuem “tradição” de poder para saber que, quanto mais se escondem, maior é a possibilidade de exercer influência. Controlam como marionetes os governantes, os principais congressistas, que, para se eleger nos últimos séculos, precisaram inevitavelmente de apoio, recursos, mídia e até de desestruturação de adversários para limpar o caminho.
Mas coisas imprevisíveis acontecem. O mundo evolui numa lógica que alguns acreditam estar em mãos divinas.
O que mudou recentemente, de forma disruptiva, interferindo e ameaçando profundamente o antigo modo de gestão do poder, foram os inventos “high-tech”. Isso gerou megabilionários, como Elon Musk, da SpaceX, Jeff Bezos, da Amazon, Mark Zuckerberg, da Meta, Tim Cook, da Apple, Sundar Pichai, da Google.
Todos os bilionários da tecnologia marcaram presença e tomaram a primeira fila durante a posse de Donald Trump. Musk até ganhou cargo oficial no governo, que começou no dia 21 de janeiro.
O último evento público em Washington que reuniu o alto escalão da tecnologia em uma mesma sala fora uma audiência no Congresso em 2020.
Na ocasião, uma comissão investigava se Facebook, Google, Amazon e Apple aplicavam a prática de monopólio e abuso de posição dominante no mercado. Zuckerberg, Bezos, Pichai e Cook estavam na audiência.
A escalada dessas empresas high-tech fora do controle dos donos do poder incomoda, coloca em risco interesses globais e se torna uma ameaça real.
Nas mãos desse grupo estão as redes sociais, a inteligência artificial, a tecnologia para chegar a Marte, a aviação ultrassônica do futuro.
As redes sociais levaram a mídia tradicional, mundo afora, a caminho da irrelevância.
Esse é o maior desafio deste momento, quando Trump determina o desmantelamento da agência Usaid, controlada como a CIA, o Federal Reserve, o Banco Mundial e a grande mídia (a tradicional) pelos donos do poder. Pode soar como uma declaração de guerra para quem, nos últimos séculos, tirou vantagem de todas.
A abertura da caixa de ferramentas dessa agência pode abalar o planeta e revelar, de certo modo, os instrumentos e as formas de influenciar os governos que fazem a diferença no mundo.
A guerra pelo poder na América do Norte – e, por tabela, no mundo – provavelmente é a maior de todos os tempos. A devassa dos arquivos secretos da Usaid pode abrir a caixa-preta do poder invisível, mas poderoso, e ter efeitos em cadeia inimagináveis.